UM Velho Besouro, muito experiente, contou consciente mil
coisas estranhas no lado de lá. Os outros, mais jovens, ouviram atentos e por
certos momentos diziam: - Será?
- Sim - respondia o
Besouro. - Andei longes terras, vi coisas de serras e coisas do mar.
- Quais coisas? -
perguntou uma Baratinha urbana muito curiosa.
- Muitas coisas -
explicava o Velho. - Estrelas, luares... Vi prédios e casas de vários andares.
Vi carros e asfaltos em muitos lugares. Navios, planaltos, planícies e matas.
Desertos, oásis, riachos e cascatas. Estradas de pedra e estradas de chão.
- Até avião! - disse
rindo um Calanguinho.
- Certamente -
respondeu o besouro -, mas pelo que vejo isso não é nenhuma novidade por aqui.
Na cidade grande não faltam aviões e helicópteros.
- E carros! - completou
uma Formiguinha muito sabida. - Tantos que é até difícil de atravessar a rua.
- O que mais o senhor
viu? - quis saber um Ratinho miúdo, que até então apenas ouvia a conversa.
- Vi povos distantes,
de várias culturas: da Grécia os costumes e a filosofia. Vi a geografia de cada
lugar. Subi em montanhas, em longas alturas. Vi neves e polos, portos e ilhas.
Fui às Antilhas, andei longas milhas, por trilhas e trilhas, da China ao Egito,
nas altas pirâmides. De Roma às estradas de Jerusalém.
- Isso tudo?! -
assustou-se o Calanguinho.
Continuava o besouro:
- Do norte, com sorte.
Do sul, leste e oeste eu já fui também. Pelos continentes vi mundos e gentes de
cor diferente - de peles vermelhas, negras e brancas. Subi em barrancos, voei
pelas nuvens. Li pingos e livros e dancei com a brisa..., parei na janela
daquele edifício. - Apontava para um enorme prédio ao longe.
- Ah! Aquilo lá eu
conheço - disse o Calanguinho. - Já fui
algumas vezes naquele pedaço. Ainda outro dia fui tirado de lá a pontapé.
Os outros bichinhos
riam de doer a boca, enquanto o Velho Besouro se ajeitava, sentado numa
tampinha de garrafa. Aprumava o corpo e descansava o olhar em direção ao por do
sol, que descia lentamente entre prédios, torres, antenas e montanhas
alaranjadas da cidade grande.
- Em que o senhor está
pensando? - perguntou a Baratinha.
- Na casa dos humanos -
disse o Besouro. – Por aqui vejo perigos que podem ser nocivos a todos nós.
- Que perigos? -
indagou o Ratinho.
- Vocês nasceram aqui
na cidade, cresceram adaptados com este clima, com esta poluição sonora e
visual, com este ar diferente...
- Existe outro ar? -
indagou a Formiguinha.
- Sim! - respondeu o
Besouro. - Existe um ar bem mais puro, não contaminado pelas fumaças dos carros
e das fábricas.
- Mas, sem carros e
fábricas não existiria cidade grande - retrucou duvidoso o Ratinho.
- Talvez - disse o
Velho. – Hoje, belas criações da natureza, como as árvores e os rios, não
conseguem viver...
- Como são cruéis! -
disse a Baratinha tremendo de medo.
- Nem todos são assim -
continuou o Besouro. - Algumas pessoas lutam a vida inteira para proteger a
natureza. Infelizmente são poucas. A maioria dos homens não consegue viver sem
causar algum tipo de morte ao seu redor.
- Ora! Cada vez que
alguém joga lixo num rio, está destruindo a casa de muitos seres vivos.
- Casa dos peixes!!! -
falou bem alto o Calanguinho
- Não consigo entender
o que leva o homem a destruir tanto o lugar onde vive - disse num profundo
lamento a Baratinha.
- Para facilitar a vida
- respondeu o Ratinho.
- Coisas do mundo dos
homens - disse o Calanguinho.
A tarde
avermelhada ia caindo vagarosamente naquele pedacinho de chão, onde estava o
Velho Besouro, sentado em sua tampinha de garrafa, com o chapéu ao colo e a
bengala entre as mãos, tendo em volta a Baratinha, de pé, com as mãos na
cintura, o Ratinho todo encolhido perto da Formiguinha e o Calanguinho com as
pernas cruzadas e as mãos no queixo, com ar de sabido.
(...)
O Besouro olhava sempre
ao longe, como que buscando no infinito a primeira estrela da tarde, a anunciar
a saudade e as canções de uma terra distante, de um olhar amigo ou até mesmo de
um amor. Em torno do grupinho via-se uma
latinha de coca-cola vazia, em pé, servindo de muro. Uma tampinha de caneta,
onde a Formiguinha encostava o pequeno corpinho frágil. Uma velha caixinha de
fósforo, jogada fora e, ao fundo, prédios, ruas, pontes, postes, torres e
outras coisas estranhas de cidade grande.
De repente, a Baratinha
se assustou:
- Cadê o riacho? -
disse interrogativa, olhando para um filete de água que descia da montanha.
- O riacho fugiu... -
respondeu o Besouro.
- Cadê a floresta? -
tomou a vez o Ratinho. - Só vejo casas e prédios.
- Isso é muito triste -
lamentou-se a Formiguinha.
- Ainda existe um
lugar...
- Que lugar é esse? -
perguntou a Formiguinha, levantando apressada da sua tampinha de caneta.
O Besouro respondeu:
- Vê além, muito além
daqueles prédios, daquelas serras e montanhas?
- Sim - respondeu o
Calanguinho.
- Lá ao longe - tornou
o Besouro -, lá onde surge a primeira estrela da tarde, onde a brisa descansa
suas asas, lá existe a Floresta de Poesia.
- Eu consigo ver a
Estrela - falou muito alegre o Calanguinho.
- Nós também estamos
vendo - disseram os outros três bichinhos.
- Quando a Estrela
aparece, muitas vidas podem ser transformadas. É a paz. A esperança de um dia
melhor... Sabedoria e Fé.
Lá, embaixo daquela
Estrela, é que existe a Floresta de Poesia, a Cidade de Capim.
- Conta pra gente
algumas histórias desse lugar - pediu a Formiguinha, tendo o apoio do
Calanguinho, do Ratinho e da Baratinha.
E o Velho Besouro
começou a narrar as aventuras dos bichinhos da Floresta de Poesia.